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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A/c do Sr. Ministro da Saúde

Exmº Sr Ministro da Saúde
Dr. Paulo Macedo,

O meu nome é C.F, mas para o Sr. sou o processo nºxxxx de 2011, com um pedido de contratação da minha anterior entidade patronal e que, tanto quanto fui informada, repousa no seu Gabinete desde o dia 2 de Agosto de 2011.
Longe de mim querer ser piegas nesta missiva e dar ainda mais motivos ao seu chefe, Sr. Primeiro-Ministro, para continuar a “insultar” o povo português onde me incluo. No entanto, serve a presente para lhe dar conta da minha história profissional recente, já que um número de processo é apenas isso, um número.
Ora bem, há cerca de 11 anos concorri a um dos 16 lugares que na altura abriram para a carreira de técnico superior de saúde do ramo de Psicologia Clínica. Este foi o último concurso para esse efeito no nosso país, como se poderá informar. Fi-lo porque acabara o curso em 1998 e ansiava ter mais especialização, maior capacidade técnica e, sobretudo, continuar a minha vida laboral em contexto apoiado que continuasse a fomentar o estudo, a dúvida metódica, o ultrapassar de limites. Sabia que era difícil fazer parte desses 16, quando saiu uma lista de pessoas que seriam chamadas à entrevista. Continuei a minha vida laboral, procurando pelos meus meios conhecer, estudar, aprender ainda mais. A custo zero para o Ministério da Saúde. Em 2003 fui chamada a uma entrevista no Hospital Júlio de Matos. Devo confessar-lhe que estive para não ir e pensei tratar-se de um engano. Nessa altura pensava que o processo tinha “morrido” e que já não seguiria. Só numa segunda leitura, mais atenta, à convocatória é que associei à candidatura efectuada dois anos antes. Fui, a minhas expensas, num dia de Março de 2003 a Lisboa. Sou do Porto.
Continuei a seguir o meu percurso profissional. Cheguei a desviar-me da psicologia por sentir que me faltava alguma coisa, porque estava desiludida, porque sentia que podia mais mas era sempre travada por alguma coisa. Uma das coisas pelas quais tinha sido travada então tinha sido uma reunião com o director do hospital onde na altura trabalhava. Ele fora peremptório: nós não temos lugar de quadro para psicólogos clínicos. E eu não era psicóloga clínica. Faltava-me a especialização. A tal que eu concorrera mas da qual não soube mais nada. Nessa altura resolvi sair, bater com a porta. Não apenas ao local onde estava, mas principalmente à minha prostração até então, à espera não sei propriamente do quê. Nessa altura ingressei no mundo da comunicação social. Momentos bons esses. Aprendi muitas coisas. Aprendi sobretudo que se pode trabalhar longe de “títulos”, de egos insuflados, de hierarquias (ou com hierarquias horizontais em que todos participam no processo de criação do serviço que prestam).
Até que em 2005, no Verão, recebo uma nova carta da ACSS dando-me conta que deveria escolher por ordem de preferência, entre a lista que me apresentavam, os locais onde quereria fazer a dita especialidade, a tal do concurso de 2001. Novamente fiquei surpreendida. Liguei para a ACSS, informei-me. Dizem-me que enviaram essas cartas para os primeiros 80 candidatos e que poderia ver a minha classificação no DR X. Pois, era a 15ª. Ou seja, se eram 16 os lugares, eu já estava directamente colocada. Fiz as escolhas, sempre na dúvida, sempre com o meu coração dividido se deveria fazer aquilo. Olhei para trás, para o curso, para os anos de voluntariado e pensei que devia isso a mim mesma. Aceitei. Em Dezembro de 2005 fui colocada no extinto Hospital Pediátrico Maria Pia no Porto. A minha opção foi também consciente e tive sorte de ter sido colocada na minha primeira escolha. Neste intervalo, desde 2001 e até 2005, concorri ainda a um processo de equiparação ao estágio de carreira. Foi-me  negada a mesma porque não tinha, segundo os júris, a devida experiência em avaliação e intervenção de crianças e adolescentes. Assim, face às opções, decidi escolher aquela que me poderia providenciar a minha lacuna profissional à data.
Não vou falar-lhe do processo do estágio/ internato. Deveria, para o Sr. Ministro dar-se conta dos maus profissionais que grassam por estes serviços afora: com más práticas, más formações, maus companheirismos. Mas não é isso que me faz escrever-lhe esta carta.
Terminei o “internato”, a “especialização”, o que quer que lhe queira chamar, visto que estágio de carreira não será, visto estarem estas congeladas ao nível da função pública. No entanto, tenho o título de “especialista” de “Psicóloga Clínica”. Até tenho um anúncio em DR a homologar a nota do exame realizado em Março de 2009.
No Decreto Lei que visa a conceptualização dos ditos “estágios da carreira” (ou o que quer que lhe queira chamar) está previsto um prolongamento de dois anos ao contrato a partir do mês seguinte ao DR em que viria o resultado da nota final. Isto seria “apenas” um pró-forma. Visto que o objectivo seria que durante esses dois anos, a situação do técnico superior se regularizasse, passando a técnico superior de saúde numa instituição pública de saúde. O meu prazo (curiosa, não é? A palavra prazo?) terminou a 31 de Julho de 2011. E continua terminado nessa data. O Centro Hospitalar onde me integro fez um pedido de contratação. Tinha agendamento aberto, consultas a meu cargo, funções a meu cargo (desde responsável pela biblioteca a psicóloga clínica que seria mais responsável pelas avaliações psicológicas forenses, ou a única psicóloga do departamento que fazia um determinado tipo de grupo com crianças em idade escolar, que por sinal trazia ganhos para crianças e famílias). O processo também foi todo mal gerido, essencialmente por mim: fui ingénua e achei que era uma questão de meses para o Sr. Ministro regularizar a minha situação. Porque fui tão crédula? Não por acreditar na sua boa vontade, pode crer! Nem por acreditar na minha real capacidade e qualidade. Sei que não é isso que é valorizado neste momento em saúde e deixemo-nos de pruridos em dizê-lo. Acreditei porque eu PRODUZO. Eu esfalfava-me a trabalhar, fora de horas, em casa, aos fins-de-semana! Via um sem número de consultas por mês, fazia exames forenses, fazia grupos, participava em investigações, protocolava avaliações em consulta. Chegava a enviar relatórios via e-mail às onze e meia da noite porque sabia que determinada criança e jovem iria ter consulta com o seu médico no dia seguinte e era importante estar o relatório no processo para o médico poder fazer os passos seguintes na orientação/ intervenção do caso. Porque não fazia os relatórios no hospital? Porque não conseguia! Porque produzia. Dava consultas de hora a hora, fossem avaliações, intervenções, psicoterapias. Não sei se o Senhor Ministro está a par do trabalho de um Psicólogo. O trabalho clínico quero eu dizer. As avaliações que envolvem provas que depois precisam de ser cotadas, analisadas, percebidas num todo que nos permita perceber o funcionamento mental. Não sou, pois, tão ingénua que pense que o Senhor Dr. ia privilegiar a qualidade. Porque disso as pessoas com quem trabalho, os utentes junto dos quais intervi, poderão falar. Eu falo de números Sr. Ministro. De rendimento. E só porque tratava os números como pessoas é que trabalhava fora de horas e fazia relatórios em casa. Apenas por isso.
Hoje é dia 10 de Fevereiro de 2012 e o Sr. Ministro continua com o meu processo no seu Gabinete. Eu só lhe quero dar a conhecer quem é a C.F.P por baixo desse número protocolado institucionalmente. E dizer-lhe o quão triste estou com o rumo da saúde por estes dias. Mas sabe o que me amargura mais? Sem modéstia? O que me deixa muito triste é o SNS ter perdido uma profissional que tendo em conta a qualidade do serviço prestado, esforçava-se por tratar os seus números como crianças e adolescentes que são. E sabe porque digo que o SNS perdeu? Porque mesmo que um dia volte, vou olhar para o lado e fazer o que os outros fazem e continuam com um posto de trabalho. Ou então vou produzir menos. Ainda não sei. Mas a profissional, com especialidade paga pelo Ministério que o Senhor Doutor actualmente comanda, de Julho de 2011 (ou mesmo a de Agosto, Setembro e Outubro de 2011 que produziu e trabalhou sem receber um tostão do Ministério da Saúde, à conta de ser ingénua e pensar que era uma coisa que se regularizava mais tarde ou mais cedo e não quis abandonar os utentes e as psicoterapias a meio, sem dar satisfações a ninguém!!) o Sr. Ministro, a crise, as circunstâncias, a conjuntura, o que seja, fizeram desaparecer.
Esta é, pois, uma carta de agradecimento Sr. Ministro! Obrigada por me ter feito aprender mais umas coisas que precisava.
Boa sorte para o seu trabalho,
C.F.P

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